Soraya e Vicente Abdelmassih: "Só entendi meu pai depois de ler 'Mentes perigosas' "
A bióloga e o médico, filhos de Roger Abdelmassih, dizem que ele nunca foi capaz de sentir remorso e afirmam estar cumprindo a pena no lugar dele
CRISTIANE SEGATTO
Vicente e Soraya na Embryo Fetus, onde tentam
reconstruir a carreira. “Metade das clientes veio
da antiga clínica porque confia na gente”, diz Vicente
(Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
O Brasil inteiro gostaria de saber onde está Roger Abdelmassih, o ex-médico condenado a 278 anos de prisão por crimes sexuais contra 39 pacientes e foragido desde janeiro de 2011. A bióloga Soraya e o médico Vicente, que trabalhavam com ele, afirmam não ter ideia do paradeiro do pai. O delegado Waldomiro Milanesi, da Divisão de Capturas da Polícia Civil, duvida, mas acha que interrogá-los seria perda de tempo. “Abrigar um pai procurado pela Justiça não é crime”, diz. Soraya e Vicente, filhos da segunda mulher de Abdelmassih, foram criados por ele e adotados quando eram adultos. Tentam reconstruir a carreira na clínica Embryo Fetus, do especialista Sang Cha. Nesta entrevista, retratam um pai ausente, rígido e manipulador.
ÉPOCA – Roger Abdelmassih está foragido há um ano e sete meses. Nunca mais tiveram contato com ele?
Soraya Abdelmassih – Nunca. Nem queremos.
Vicente Abdelmassih – Falei com ele por telefone pela última vez no Natal de 2010. Ele disse que sumiria se tivesse de voltar para a cadeia (Roger ficou preso durante quatro meses). Não concordo. Deveria se entregar, seguir o caminho de recursos. Seguir o que a lei manda. Avisei que, se fugisse, eu não queria ter mais nenhum contato. Para mim, acabou.
Soraya – Ele não podia ter nos deixado como deixou. O Vicente tinha 1% da clínica. Meu pai o colocou como sócio para constituir outro tipo de empresa e pagar menos taxas. Fez questão de colocar uma cláusula que determinava que o Vicente não teria nenhum poder de administração. Sempre fomos tratados como funcionários. Ele deixou dívidas e processos trabalhistas, e a Justiça vem atrás de nós.
ÉPOCA – Onde ele pode estar?
Soraya – Ouvi dizer que estava num resort no Recife. E também que estaria no Líbano, comprando numa loja de grife. É bem típico dele. Acho difícil. Todo mundo sabe, e a polícia não sabe? Se ele se entregasse, aliviaria alguns dos meus sentimentos. Queria que ele cumprisse com a responsabilidade. Que desse a cara a bater como nós estamos. Nós e nossos filhos estamos cumprindo a pena no lugar dele. Somos insultados e nossas contas bancárias são bloqueadas. Não perdoo o que ele fez com a família.
ÉPOCA – É difícil acreditar que Abdelmassih nunca mais tenha procurado os filhos...
Soraya – As pessoas precisam entender que essa coisa de preocupação, de presença, de paternal nunca existiu. Não posso dizer que senti um alívio com a ausência dele, porque o escândalo me causou muitos problemas. Mas me sinto livre da pressão e da convivência difícil.
"Meu pai não batia nos filhos, mas fazia coisa pior: jogo psicológico. Podava, ameaçava. Nunca abusou sexualmente de mim. Deus me livre"
ÉPOCA – Vicente, o senhor tem um filho de 12 anos chamado Roger Abdelmassih Neto. Ele sofre agressões?
ÉPOCA – Vicente, o senhor tem um filho de 12 anos chamado Roger Abdelmassih Neto. Ele sofre agressões?
Vicente – Foi um pedido da minha mãe. Tenho mais esse problema para administrar.
Soraya – Quando o garoto nasceu, meu pai disse para minha cunhada: “Esse menino está carregando meu nome. Olha a responsabilidade que ele vai ter, hein?”.
Vicente – Um dia meu filho estava jogando futebol e disseram para ele ir procurar o vovô estuprador. Não quer falar sobre isso. É como se ele se ausentasse. Pensei em mudar o nome. Acrescentar o Ghilardi, sobrenome do meu pai biológico. Meu filho não quis. No Facebook, insultaram minha filha. Numa aula de atualidades, uma colega fez questão de levar o jornal com as notícias sobre meu pai.
ÉPOCA – Vocês sabiam do que acontecia na clínica?
Soraya – Nunca vi nada que sugerisse abuso ou estupro. Não tenho condições de julgar. Se tanta gente o acusa de tanta coisa, não posso acreditar que nada aconteceu. No centro cirúrgico, sempre havia vários profissionais com a paciente.
ÉPOCA – Mas ele tinha a chance de ficar sozinho com a paciente...
Soraya – Sim. Poderia entrar no quarto e ficar sozinho com ela, mas essa não era a rotina. Às vezes eu via uma paciente que chegava mais arrumada, de vestidinho decotado. Achava estranho, mas nunca vi nada além disso.
ÉPOCA – Como era o Roger pai?
Soraya – Rígido. Podava, ameaçava. Quando era criança, ele brigava comigo e depois dizia que ia falar para minhas irmãs não conversarem mais comigo (Juliana, Mirela e Karime são filhas de Roger com a mãe de Soraya e Vicente). Era o mesmo comportamento com todos os filhos. Não batia, fazia jogo psicológico. Uma vez me proibiu de sair do quarto durante um mês porque fiquei de recuperação na escola.
Vicente – Ele não sabia ser pai. Talvez agora esteja passando por um curso intensivo se estiver vivendo num lugar pequeno com gêmeos de 1 ano (em 2011, Roger teve um casal de gêmeos com a procuradora Larissa Sacco).
ÉPOCA – Vocês acham que ele tem alguma doença psiquiátrica?
Vicente – Não sei.
Soraya – Essa pergunta é difícil. Não sei. Na época do escândalo, li o livro Mentes perigosas, da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa. Não que eu o esteja chamando de psicopata, mas comecei a entender o comportamento dele. Muitas coisas encaixavam. Se tivesse lido esse livro aos 13 anos, talvez tivesse compreendido muitas coisas.
ÉPOCA – O que encaixava?
Soraya – A falta de remorso. Aquele jeito de ele fazer as coisas e depois achar que não fez nada. Não tinha remorso algum. Foram várias condutas inadequadas com os filhos e com a mulher. Ao final da vida de minha mãe (Sonia Abdelmassih morreu de câncer em 2008, antes do escândalo), ele poderia ter estado mais presente. Só pensava em trabalho. Saí de casa aos 16 anos e fui morar com meu pai biológico (o ator Marco Ghilardi morreu poucos meses depois, de infarto, aos 43 anos). Minha vida com o Roger era um inferno por causa da possessão, da rigidez dele.
ÉPOCA – Alguma vez ele abusou sexualmente de você?
Soraya – Não. Deus me livre.
ÉPOCA – Vocês estão passando por dificuldades financeiras?
Soraya – Estou com tudo bloqueado. Antes do escândalo, meu pai pediu para ser avalista de um empréstimo e assinei. Ele não está pagando. Há duas semanas, bloquearam R$ 2 mil que eu tinha na conta. Não posso dar cheque. Meu nome está no Serasa. Meu condomínio está atrasado.
ÉPOCA – Onde está o dinheiro do seu pai?
Soraya – Nunca usufruímos o dinheiro e ele não nos contava nada. O casarão da clínica era alugado. A fazenda ele perdeu. Quando bloqueiam nossos bens, não temos nada dele para indicar para a Justiça. Sobrou a casa, única coisa que minha mãe deixou para os cinco filhos.
Vicente – Quando estava preso, ele me pediu R$ 400 mil. Acho que era para pagar advogados. Respondi que não podia dar. Só tenho meu apartamento. Ele ficou bravo.
ÉPOCA – O casal de gêmeos que ele teve no ano passado foi gerado naturalmente?
Soraya – Não sei. Nós não fizemos.
ÉPOCA – A mãe das crianças se envolveu com ele depois do escândalo?
Soraya – Não sabemos quando foi o primeiro envolvimento, mas ela apareceu mais fixamente com ele em janeiro de 2009, logo depois da bomba. Nem Freud explica.
Vicente – Nesse caso, o amor não é apenas cego. É cego, surdo e mudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário